O silêncio, a escuridão, o
torpor. A água não se tornara algo represável, mas ao menos por aquele instante
era uma parede de concreto revolta e gelada. Ele não teve tempo de segurá-la,
não pôde gritar para que ela pusesse o cinto, não conseguiu ser rápido para
evitar que o movimento brusco pusesse fim em sua respiração, diminuindo em
muito a sua chance de permanecer ali, com ele. Mesmo em meio à balbúrdia da
água que entrava misturada aos estilhaços e ao sangue em sua boca, ele tentou
fazer com que a correnteza não puxasse o seu corpo quase inerte para fora. Aos
poucos seus músculos pareciam se afrouxar por sobre os seus ossos, como se sua
carne também se desfizesse. Sem forças, foi levado para fora da cabine
submersa, e ao sentir-se liberto do cinto reuniu suas últimas forças para
chamar pelo nome dela. O esforço, já sabia, foi em vão. Nenhuma réstia de luz
penetrava o teto aquoso que se estendia sobre eles. Era um espetáculo de sons
abafados, terror abjeto e medo, muito medo.
De súbito foi arremessado para
longe por um turbilhão que rodopiou seu corpo fraco. Não conseguia mais pensar
em nada, até ir de encontro a algo sólido. Seu crânio pareceu rachar e naquele
momento perdeu qualquer resquício de quem era ou do que estava fazendo ali.
Deixou-se boiar. Entendeu que se lutasse, morreria primeiro de cansaço.
Quando enfim suas mãos roçaram a
areia da margem lamacenta, apenas se arrastou lentamente. Podia ouvir bem
distante o som das ondas que roncavam sobre as outras, das gotas que se uniam
na superfície do rio que sofria debaixo da sova que recebia do céu. Puxou seu
corpo exausto, procurando sustentação no capim que crescia na margem. Quase morto,
fechou os olhos. Sentia que perdera algo muitíssimo importante debaixo de todo
aquele mundaréu de água, mas infelizmente não se lembrava do que era.
Com os olhos embaçados, viu num
nível superior ao dele, na outra margem do caudaloso rio, dois faróis que
retornavam em alta velocidade por o que parecia ser uma estrada interrompida. Antes
de fechar os olhos para definitivamente esperar a morte, pensou em Deus. Se Ele
existisse, que ao menos tivesse piedade de sua alma.
-
Exatamente – disse Deliverance sem alterar sequer uma ruga do rosto. – Sophie
sempre me falou de vocês. Gostava muito de ambas e uma vez me disse que isso se
devia ao fato de que protegiam Christopher.
Um
pouco envergonhada, Konstantine baixou a cabeça de forma quase imperceptível.
Era estranho pensar no quanto aquela observação a incomodou. Aquilo tinha
mudado muito nos últimos tempos. Deixara de lembrar-se de Christopher, deixara
de se importar com ele, simplesmente porque achava ter questões mais urgentes.
E realmente, as tinha. Uma vez ou outra, num dia chuvoso ou frio, seu nome lhe
ocorria. Mas era só uma lembrança. Um tempo bom que passara. E de repente o que
ela mais queria era sair dali. Detestava enfrentar suas próprias verdades.
-
Ela falava muito pouco da família – recordou Emilie – e ainda assim não
mencionava o nome de ninguém. Chegou a nos falar de sua mãe vez ou outra, mas
nunca se referiu a você como Deliverance. Apenas dizia “vovó”, com muita
ternura, é claro.
E
os olhos baços da anciã tornaram-se ainda mais nublados. Ocorreu-lhe um afago
distante em sua alma e o perfume de sua neta veio até as suas lembranças. Algo
como madeira velha e flores do campo.
-
Sabem, por um segundo eu achei que eu nunca o perdoaria. Ele tinha feito aquilo
de novo. Quando ele veio até a minha casa, o que eu queria era matá-lo. Na
verdade queria que ele tivesse ido junto com a minha Judith. Mas ele estava tão
desesperado, parecia uma criança com medo do escuro. Naquela noite ele chegou a
minha porta molhado até a alma, enlameado, e só conseguia pronunciar “Sophie” e
“Christopher” ininterruptamente.
-
Do que é que a senhora está falando? – perguntou Konstantine, novamente atenta
a conversa.
-
Me desculpem mais uma vez – lamentou pondo a mão em sua testa. – Eu estou
falando da noite da morte da minha neta, mas é que preciso também falar que
tudo se repetiu.
Definitivamente
nada mais fazia sentido para Emilie e Konstantine. Deliverance parecia misturar
certos elementos que eram totalmente alheios a elas. Mas acharam melhor deixar
que a mente senil da senhora ali presente trabalhasse da forma que mais lhe
aprouvesse.
-
Fique calma – balbuciou Konstantine parcimoniosamente.
-
O que quero lhes dizer é que a mãe de Sophie padeceu do mesmo fim que sua
filha. Também ela foi tragada pelas águas. E ele, ele não deixou de ser
responsável em nenhuma das vezes. Mas é que eu coloquei no mundo a mulher mais
forte e geniosa que aqui pisou. Sei muito bem que Sophie era uma extensão de
Judith. Uma extensão sem arremedos. Era a continuação intacta de sua progenitora.
-
E foi isso, Gregory – finalizou Christopher com extremo alívio, porém muito
pesaroso.
-
Agora enfim se lembra da pessoa que sou, não é mesmo?
-
Sem dúvidas.
-
Quando eu voltei para buscar ajuda, jurei ter chegado tarde, Christopher. Jurei
ter perdido tanto Sophie quanto você.
-
Só agora também me lembro de que chorei sobre um túmulo vazio.
-
Está aí algo que nunca me convencerá da morte de Sophie. Seu corpo nunca foi
encontrado.
-
Naquela noite choveu demais, Gregory. Estranho seria se ela viesse à tona com
todo aquele turbilhão. Eu não enxergava nada, não consegui chegar até o cinto
dela. Nós estávamos marcados para morrer, hoje tenho certeza.
-
E eu a matei, também.
Christopher
nunca pensou ver a cena que se seguiu. O investigador ajoelhou-se à sua frente,
fechou os olhos com força e segurou suas mãos, pedindo perdão fervorosamente
enquanto seu peito começava a convulsionar e encher-se de soluços. Mas àquela
altura, a última coisa na qual Christopher conseguia pensar era em ódio. Estava
leve como nunca havia estado. Foi como se tudo aquilo tivesse sido o seu
reencontro com Sophie. E de alguma forma aquilo a deixou mais vívida dentro de
seu coração, a despeito da dor, da dúvida e da perda.
-
Levante, homem. – disse Christopher com um estranho sorriso – Antes mesmo que
eu te perdoasse, Sophie já o teria feito.
Puxou
o braço do homenzarrão a sua frente, a fim de ajudá-lo a se levantar. Abraçou-o
com força, ouvindo o choro que parecia ser o de um menino assustado. Dissera
aquilo apenas para apaziguar a situação. Sabia muito bem que não importa quanto
tempo passasse Sophie nunca perdoaria o pai. E agora também não o perdoaria por
estar ali, compactuando com o mesmo.
-
Foi uma noite maldita.
-
E por que? - perguntou Konstantine, curiosa.
-
Sophie tinha então dez anos e o casamento de Judith e Gregory ia da paz à
guerra. Naquela noite ela decidiu que tudo acabaria, então deixou Sophie aqui
comigo e voltou para arrumar as malas. Eu estava com tudo organizado para
esperar a sua volta, mas de algum jeito meu coração sentia medo. Quando Judith
saiu por aquela porta – disse ela apontando para o lânguido corredor que levava
à sala de estar – eu sabia muito bem que não a veria viva novamente. Mas
ninguém pode viver o destino do outro, não é mesmo?
-
Mas, de qualquer forma, era a sua filha... – sentenciou Emilie impressionada
com a sua ousadia em dizer aquilo.
-
Sim, é claro, mas eu mesma, por toda a minha vida questionei que brio era
aquele que nasceu com minha filha. Eu nunca fui de guerrilhas, nunca fui de
rompantes. Tenho cá minha magia, bem sei, mas sempre fui de vidro. Judith não.
Judith era de aço, sua filha de diamante, não duvido que minha neta pudesse por
no mundo uma mocinha talhada em titânio puro. Parecia que a força do seu ventre
apenas se renovara em Sophie. Eu mesma nunca tive coragem de desbravar a mata
daqueles olhos, nunquinha. Para mim era um mistério, aquele arvoredo. Tenho
plena certeza que Christopher viu de perto a fúria que escapava dos olhos da
minha neta. Só ele teve a chance de conhecer aquilo de perto. Ele, com aqueles
olhinhos de noite sem lua, sem nada para iluminar o caminho, teve de se achar
em meio a apalpadelas e subentendimentos.
-
Essa é uma das especialidades dele – disse Emilie de repente se lembrando de
que bem ali, a poucos metros, estava ele. Sabia que a essa altura, tudo deveria
estar em seus devidos lugares.
-
O pior foi quando você fugiu do hospital.
-
Eu acordei sem saber quem era, sem saber onde estava. Mas na noite anterior,
depois de três meses de coma, acordei com um endereço em minha cabeça. Minha
mente me dizia o tempo inteiro para ir a uma tal de Alameda Riven Bauer, no
número 9.
-
Aqui mesmo, do outro lado da rua. A casa de minha sogra.
-
Deliverance me acolheu como se eu fosse a mais preciosa das coisas. Mas eu não
sabia quem era ela, nem porque estava ali. Me acolheu sem rodeios e quando
enfim lembrei certas coisas de mim e do meu passado recente, vendeu-me esta
casa por um preço muito amistoso.
-
Eu acompanhei tudo de perto, Christopher. Quando soube que estava com ela,
fiquei bem mais tranquilo.
O
rapaz bem sabia que todo o suporte financeiro que Gregory dava à Deliverance
atendia por um nome. Ou, para melhor exemplificar, um sentimento: a culpa. O
investigador pareceu se lembrar de algo importante enquanto apalpou os bolsos
freneticamente. Quando encontrou o volume que procurava, pôs-se a caminhar para
a porta.
-
Preciso ir buscar uma coisa – explicou ele abrindo a porta para o jardim escuro
e molhado.
Quando
Gregory pôs os pés fora, a eletricidade voltou a iluminar a casa com seus
lustres velhos, de uma moda passada. Christopher foi até a janela observar o
mundo lá fora, foi então que percebeu, olhando contra a luz dos postes que
preguiçosamente voltavam a se acender pela alameda, que a chuva praticamente
cessara. Ouviu um ronco que instantaneamente lhe pareceu muito familiar. Viu um
par de farois se aproximar por entre as frestas da cerca viva e parar ali
diante do seu portão. Será mesmo que aquilo era o que ele estava pensando?
E
então Deliverance contou tudo. Contou da derradeira briga entre Judith Bartlett
e Gregory Thompson, de como sua filha avançou pela estrada até se deparar com a
ponte que nunca encontrara a outra margem do rio, de como o amor de Gregory por
vezes era sufocante, do quanto Judith sentia-se presa e por isso continuou com
o carro até que este saltasse para o que seria o seu fim. Contou que naquela
mesma noite Sophie acordou aos gritos e disse estar se afogando, contou que ela
também se deparou com a face da morte, de como, exatamente como na data da
morte de Sophie, Gregory adentrou a sua casa desesperado e sem chão.
Narrou
também da fuga de sua neta, dos planos velados, da promessa de um novo futuro,
do quanto amava Christopher e confiava somente nele para ir junto de sua
Sophie. Contou como mais uma vez Gregory tinha entregado a outra mulher de sua
vida para a morte, para o fundo de um rio debaixo de uma tempestade voraz.
Falou da sorte das mulheres daquela família, perdeu-se em sentimentos que nem
ela sabia nomear, elencou diversas saudades. E no meio de tudo aquilo, tanto
Emilie, quanto Konstantine perguntavam-se o que Deliverance pensava de Gregory
Thompson, o homem que invariavelmente havia posto fim em sua família. Não se
contentaram, e então perguntaram, em uníssono:
-
E o que a senhora pensa sobre o investigador, Deliverance?
-
Eu? Eu não penso mais nada. Do que sei é que Deus o fará amargar o fel dos seus
dias até o fim dos tempos.
Com
um assovio longo e lisonjeiro, Gregory Thompson chamou Christopher pelo vão do
portão. Dirigiu-se para fora sem ter ideia do que lhe esperava. Somente se
perguntava quando é que ele poderia sentar-se e descansar um pouco, exercitar
um ócio que não se amigava dele já havia algum tempo. Quando saiu para a
calçada juncada de folhas mortas, olhou incrédulo para o objeto que estava ao
lado do meio fio: o Oldsmobile estava ali, novo, sem um arranhão sequer.
-
Depois que Christopher acordou desmemoriado do coma, ele veio bater em minha
porta. De alguma forma este era o único lugar que ficara cravado em sua mente,
mesmo que ele tenha vindo aqui apenas uma vez, numa de suas viagens escondido
com Sophie.
-
Não deixaria de ser um porto seguro, não é? – disse Konstantine com uma nova
ternura nos olhos.
Tanto
ela quanto Emilie já tinham se afeiçoado muito àquela senhora. Tinham
conversado por horas com ela, tomaram gosto pela poesia de suas palavras, pela
forma com a qual mostrava levar a vida, pela magia que parecia emanar de sua
pessoa. Sem dúvidas, ela era uma preciosidade viva.
Foi
só aí que todas perceberam que a eletricidade havia voltado e que a lareira e a
história lhe tinham tirado a atenção daquilo. Não importava, mas lhes ocorria
que já deveriam estar de volta, que Christopher as esperava, que já tinham
ocupado demais o tempo de Deliverance.
E
então Emilie enveredou uma despedida, porém com a alma inquieta, como se
esperasse mais revelações.
-
Deliverance, eu realmente não sei descrever a nossa experiência aqui, mas é que
temos de ir. Já está muito tarde para dormirmos no hotel e dormiremos na casa
de Christopher.
-
Eu já imaginava. E bem, não se preocupe, esta casa estará aberta a vocês quando
bem quiserem!
Konstantine
apenas sorriu levemente enquanto levantava junto a Emilie. Ambas foram
caminhando com a certeza de um conhecimento de causa recentemente adquirido e
que estaria com elas para sempre dali em diante. Deliverance seguiu-as pelo
corredor, com os passos arrastados e um pouco cansados. Apanhou um xale
estendido ali perto, na poltrona, e avançou para destrancar a porta.
O
mundo lá fora se mostrava diferente de tudo o que já tinham visto. Depois de
terem escutado tudo o que lhes fora contado, parecia não haver mais fronteiras.
O céu ainda acastanhado parecia lamentar muitas coisas; o vento que ainda
soprava parecia querer contar outros segredos. E a chuva lavara muitas coisas,
a despeito do medo, do receio e das memórias. Não deixaram de dar um terno
abraço na senhora poética que as acolhera tão bem e que, agora sabiam, era
guerreira das mais valorosas.
O
portão velho e enferrujado nas extremidades rangeu alto como se uivasse.
Demorou alguns segundos para que as três mulheres se aprumassem diante do que
viam. Christopher não conseguiu dizer nada, apenas apoiou-se na porta do
Oldsmobile e cruzou os braços, como se esperasse algo de Emilie e Konstantine.
Gregory Thompson envergonhou-se, não sabia muito bem o que dizer. Deliverance
Bartlett apenas sorriu, bem ali, ainda parada na soleira do portão.
-
Mas, como assim? – finalmente perguntou Konstantine.
-
Eu ia contar agora mesmo ao Christopher. – explicou Gregory. – Quando tudo
aconteceu eu não poderia deixar de procurar Sophie justamente no último lugar
onde ela estava. Foi um grande esforço conseguir ajuda da prefeitura para que o
carro fosse puxado de lá, mas quando ele finalmente veio á tona, só havia lama
e pedregulho. De Sophie, nem resquício.
-
Eu acho muito justo uma homenagem como esta, Thompson – disse Emilie enquanto
examinava o interior do carro com discrição.
-
Era o mínimo que eu podia fazer por vocês, pelo Christopher. Mas agora terei de
ir. Por hoje todos precisamos descansar, foi uma noite longa, necessitaremos de
tempo para digerir tudo isso.
Na
verdade, Gregory Thompson não esperava uma reunião como aquela. Mesmo que não
houvesse nenhum esboço de acusação, ele sentia olhares pesados sobre si,
olhares que lhe diziam verdades que ele não queria ouvir. Tratou de sair
rapidamente, fazendo uma mesura entrecortada, pondo-se a caminhar pela rua
lustrosa e silenciosa.
Christopher
desviou sua atenção do homem que se afastava, atravessou a rua e abraçou
Deliverance com muito afeto e dedicação. Deitando sua cabeça sobre a dela,
perguntou:
-
E ele, Deliverance?
-
Deixemo-lo com ele mesmo. Se nós merecemos, por que é que ele não?
Com
mais um abraço, despediu-se da senhora. Segurou as mãos de Emilie e Konstantine
e foi andando até a porta de seu jardim.
Aquela
noite não seria sonolenta, nem muito menos silenciosa. Eles também precisavam
conversar, isso era uma certeza que reinava absoluta.
Quando
se sentaram para conversar sobre, descobriram que, mesmo em lugares diferentes,
souberam das mesmas coisas. Christopher constatou que Deliverance havia contado
toda a história de Judith, e, apostou ele, com toda a poesia e o pesar que
usara para contar a ele, numa noite quente de um verão passado, enquanto
estavam sentados na varanda, tendo as estrelas por testemunhas.
Emilie
e Konstantine falaram de suas impressões, de seus sentimentos, do conhecimento
de causa adquirido. De modo algum conseguiriam mensurar tudo aquilo que
sentiram enquanto ouviam toda a epopeia das mulheres Bartlett. Além disso,
também se sentiam estranhamente culpadas por não estarem junto a Christopher
naqueles meses difíceis e borrados. Mas enfim, este era um momento de recomeço,
de reparação.
-
Vamos, quero que venham comigo ao quintal, meninas – disse Christopher com um
tom que parecia ter algo mais.
E
quando se levantou, viu a si mesmo no meio da escuridão. Emilie e Konstantine
haviam sumido, chovia; a sua frente um rio furioso e alguém que se segurava aos
juncos curvados pela tempestade. Era uma massa quase inerte, aquele rapaz.
Deitou-se e olhou para cima, de modo que seus olhos encontraram os seus. Então
lhe ocorreu uma cronologia inoportuna. Pensou que primeiro viriam os aniversários,
as festas, balões coloridos, aquele baile de debutante que assistiu certa vez.
Passou um olhar por todas as suas noites em claro. Depois viu os casamentos, os
amores, os nascimentos e por fim chegou aos funerais, parou ali, ao pé de uma
cama de hospital. O jovem que ali estava
implorava inconscientemente; gritava dentro de si para que não o levassem
naquela hora, que ele não queria ir embora. Dizia ter tanto o que fazer, quem
sabe até um filho teria, enfim, apenas tinha motivos pra crer que ainda não era
hora.
Quando
voltou de seu devaneio, percebeu que praticamente flutuara até o quintal.
Quando uma lufada acarinhou seu rosto, pensou que todos iam rumo ao acaso e de
certa forma sem nunca ter escolhido. “Não é questão de sorte,” pensou, “é jogo
vencido”. Aquele era mais um de seus inúmeros epílogos e finais.
O
imenso ipê farfalhava majestosamente no centro do quintal gramado. Daquela
distância, o trio diferenciava três objetos que se erguiam do chão dispostos em
fileira, bem abaixo da árvore que pareciam querer lhes dizer algo.
Quando
se aproximaram, viram três lápides simples, de concreto, e em frente a cada uma
delas, uma cova rasa e aberta. Emilie e Konstantine ajoelharam-se a fim de ler
os respectivos epitáfios. E recitaram, vagarosamente:
Christopher Owens
* 04/01/1991
†15/07/2013
Konstantine Willhelm
* 12/10/1991
†15/07/2013
Emilie Morgan
* 11/05/1992
†15/07/2013
-
Então é isso, Christopher? É exatamente o que tínhamos cogitado anos atrás? –
disse Konstantine após terminar a leitura vagarosa.
-
Sim, Konst. Esta noite nós enfim, morreremos.
Emilie
levantou-se e abraçou o amigo. Se fosse alguém de fora, com certeza sairiam
correndo. Mas sabiam exatamente do que Christopher falava.
-
Pois bem – disse a moça de longos cabelos morenos – vamos lá dentro pegar
nossos utensílios mortuários – e sorriu misteriosamente.
Ajudou
Konstantine a se levantar, que segurou a mão de Christopher. Voltaram em
silêncio para a casa. Era estranho morrer, era estranho deixar tudo para trás, mesmo que não fosse a primeira vez que aquilo acontecesse com qualquer um deles.
Continua...
Ao
som de “Epílogos”, Agridoce.
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