terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Nine — Someone you wish you could meet - Alguém que você queria conhecer

 "Uma mulher de grandes olhos azues, uma loura de figura gracil, que lhe representava a belleza ideal e inalcançavel. Gaúcha de raçagracil filha de Pelotas, que na tua exaltação conservaste (...) a belleza ideal e a magestade do teu amor (...) por Garibaldi".  - Fernando Luiz Osório Filho, em Mulheres Farroupilhas (Editora Globo, 1935).

No dia em que a minha amiga Mialle apresentou-me o projeto 30 dias de cartas, eu obviamente li a lista com as temáticas de cada uma delas. E óbvio, essa carta que aqui escrevo hoje já tinha endereço certo desde o começo.
Para quem me conhece bem, a minha predileção e paixão pela Revolução Farroupilha não é mistério algum, assim como a minha admiração por quem personificou tal passagem de nossa História. Mas óbvio, há quem sempre me encantou mais, quem sempre pareceu ser parte de minha alma, quem sempre pareceu estar comigo, de alguma forma que eu não entendo até hoje e talvez nunca vá entender.
Estou falando de Manoela Amalia Ferreira, que terminou por entrar para a história como Manuela de Paula Ferreira. Entretanto, apesar de eu também ser um historiador, o que vim aqui fazer não foi tracejar sua história, como tantos já fazem. O que vim aqui fazer foi justamente tentar expressar essa eminência que sempre senti em relação a ela, que sempre me pareceu tão familiar e ao mesmo tempo tão distante, tão tênue e instigante.

Por tantas vezes já me perguntei onde é que tu estavas em teu último suspiro,  o que fizeste em teus anos longe de Garibaldi e se sinceramente um dia eu poderia te sentir bem pertinho, não apenas como um personagem histórico que sempre povoou meus devaneios, envolto em lendas e equívocos, mas permeada de amor e espera.
O que na verdade sempre me emocionou e me aproximou de ti foi justamente a óptica pela qual sempre observamos o mundo, nós que muitas vezes fomos censurados por ter a mania de ver a vida pela óptica do amor, das paixões ardentes além-morte, enquanto muitos a nossa volta viam a vida pela óptica do ciúme e despeito.
Eu queria realmente ter te conhecido, queria ter passeado pela estância contigo, queria ter lutado ao lado de Giuseppe em 1840, queria ter provado da pessegada de Tia Ana, visto de perto os bailes da corte, escrever junto a ti em meus diários, como creio que de certo modo ainda hoje o faço. São essas e outras coisas que nunca vou entender bem, que sempre serão subentendidas, mas nunca explicadas. Essa ligação, essa certeza, toda a forma de sentir em comum.
Não poderia deixar de citar Tabajara Ruas, que ao escrever a introdução do romance ‘Manoela e Garibaldi: uma história de amor’ de Josué Guimarães (L&PM, Porto Alegre, 2010) compara esse épico romance, cujo desencontro se produz a partir das delimitações impostas pela rígida sociedade de classes e pela própria História, a “uma flauta soprada no crepúsculo, densa, suave, e com uma tristeza sabiamente disfarçada”.
Expressando sempre um paradoxo, o que sei é que o amor entre tu e teu amado Garibaldi fora imortalizado pelo seu próprio impedimento, fazendo com que esse romance inverossímil, onde realidade e ficção tomam caminhos muitas vezes diametralmente opostos, ecoe através dos tempos, até aqui, transfugindo entre os meus dedos.
Tu, Manoela, sempre irá personificar a lembrança de que, ao resgatarmos nossas mais caras raízes, adquirimos significados, e a partir deles enfrentamos os desafios futuros com maior determinação e sabedoria, pois encontramos faróis a nos guiar e temos muita história para contar; essa última, não raras vezes, é escrita com “H” maiúsculo.


E não há como não agradecer minha cara amiga Mariana Portela por ter me inspirado a este post e por também ser portadora de real paixão por essa história e por Manoela, também parte de sua alma.
Agradecimentos imensos a Pedro Luiz Brum Fickel que é professor e tradutor e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Pelotas. Louvável também foi a sua atitude de disponibilizar o resumo de sua pesquisa. Quando os vi em minha caixa de entrada eu fiquei eufórico, uma vez que os mesmos também foram publicados no Diário da Manhã local (Pelotas) e já me deram uma boa ideia de como será o seu livro. Usei-me de muitas de suas palavras para descrever a minha admiração e sinceramente não sei como lhe gratificar por sua tão linda iniciativa de resgatar a História de Manoela, trazendo-nos assim dados importantíssimos sobre a vida, família, paradeiros e permanências desta valorosa mulher. Estou ansioso pelo livro!
Também não posso deixar de lhe falar da foto que ilustra este post e que lhe chegou há uns 3 anos de um descendente de Bento Gonçalves que mora em Porto Alegre e que, embora sem assinatura, tenha uma grande probabilidade de ser ela própria, já que foi guardada por familiares de Bento em Camaquã e posteriormente  repassada a ti. Fiquei arrepiado quando vi a foto e realmente, pelo retrato, pode-se ver que ela era belíssima, de traços perfeitos ... Não foi à toa que Garibaldi se apaixonou! Mais lindo ainda foi descobrir que a assinatura na foto é a assinatura real dela, que você mesmo retirou do inventário do pai dela, e numa singela e bonita homenagem foi sobreposta à foto posteriormente. Mais uma vez, obrigado por tudo.

Mas, tal qual uma fênix, Manoela e sua odisseia de amor renasceriam das cinzas.



Ao som de "Vidas, Amores e Guerras", Marcus Viana.



sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Crônica de uma partida anunciada



- Mas eu não posso ficar! - sentenciou ele veementemente.
- Não seria a primeira vez que você não me ouviria...
- A questão nem é essa, carinho. A verdade mesmo é que eu já ouvi demais e consequentemente parei demais por conta dessas intempéries.
- Será que eu poderia tentar provar que você não deve ir?
- Faça. Ao menos por hoje eu não me abstenho de encontrar algum sentido no que você me diz.

Sentou-se e esperou. De repente a figura irrompeu pela porta trazendo consigo um pesado dicionário que parecia ter sido escrito a mão. Esforçou-se um pouco para segurá-lo pela borda enquanto folheava rapidamente com o intuito de achar as palavras certas para a hora certa. De repente sua expressão se tornou um pouco mais alegre e agora mostrava uma certeza muito latente num sorriso que começava a brincar nos seus lábios. Entregou o grande livro aberto para ele que leu o verbete e a sua significação em voz alta. E dizia:

> UMA DEFINIÇÃO NÃO ENCONTRADA NO DICIONÁRIO <
Não ir embora: ato de confiança e amor, comumente decifrado pelas crianças.

Olhou para a pessoa a sua frente, fixou-se em seus olhos por longos minutos. Pensou na vida, pensou no passado, pensou no presente e enfim, focou-se novamente no futuro como vinha fazendo há dias. Segurou com força a alça da maleta que estava ao seu lado, esperando uma decisão. O couro sintético rangeu, adaptou-se ao formato de seus dedos que o envolviam com segurança do que fazia.
- Nem eu e nem você somos mais crianças.

Com um último resquício de sua tão teatral forma, deu-lhe um beijo na testa.
Saiu sem olhar para trás. Por muito tempo não se ouviria falar dele, tinha certeza.


Ao som de "Dark Paradise", Lana Del Rey