segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O mais novo e primeiro clipe (:

Mesmo com tantas ausências, mesmo com tanto espaço de tempo de uma postagem a outra (acreditem, falta tempo!), eu não poderia deixar de vir dar esta notícia. Enfim, saiu o clipe do primeiro single do Agridoce. A felizarda música foi a 'Dançando' e bem, é um doce, um mimo de canção. Bonita de verdade! Então, deleitem-se:




P.S.: JURO que em breve vocês terão capítulo novo! Paciência meus caros, pois vocês sabem que amo suas leituras e pitacos. Agradeço imensamente e sempre.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Voltando


Por um segundo ele não entendeu, por um segundo ele se sentiu como se fosse um nada a mercê de tudo. Em algum ponto de sua memória as coisas lentamente começaram a voltar para o lugar, fazendo enormes barulhos que ecoavam dentro de sua mente, ribombando nas paredes de seus pensamentos e incomodando. Acordando o coração, instigando seus sentimentos. Sinceramente, ele preferia enquanto eles dormiam, enquanto eles não o faziam tão vulnerável ou mesmo tão abastado das coisas. À medida que as figuras emparelhadas se aproximavam de seu portão, ele perdia cada vez mais a capacidade de se mover.
Estava fincado ali, e observava tudo voltar à tona lentamente, entrando em sua casa, bagunçando seus sentidos, meio que debochando dele mesmo. E ele sem poder fazer nada. Era algo no mínimo desesperador. Christopher tentava chamar por Sophie, mas como sua voz estava embargada ele só conseguia produzir sussurros. Pensava em mil coisas agora, mas principalmente na eficácia da espécie de feitiço que ela o obrigou a fazer. De algum modo ela sabia as coisas que ele teria de encarar, onde ele ia chegar, para que ponto de sua vida ele teria de olhar fixamente por longos minutos, sem poder parar o seu retorno, sem poder apagar a sua iminência.
Ele apenas fechou os olhos, esperou que toda aquela vertigem se esvaísse rapidamente, como se fosse apenas uma sensação matinal de um dia chuvoso. Ergueu a cabeça, jogou-a um pouco para trás e relaxou. Curvou-se um pouco, a fim de descansar os músculos. À medida que ficava menos tenso ia conseguindo recuperar os movimentos com mais precisão. Mas quando enfim já se libertava de sua cadeia mental, um som melancólico e metálico ricocheteou pelas paredes da casa. Alguém tocava a campainha.
No mesmo instante seu corpo enrijeceu-se novamente, mas dessa vez ele se esforçou, mesmo com a cãibra repentina. Christopher não conseguia dizer nada, apenas pensava e se perguntava se era realmente essa a dor que o passado causava quando batia a porta, se era esse o poder dele: o de te deixar vulnerável, sem ação, sem movimentos. Na verdade ele nem sabia como dar nome aquela sensação. Só sabia que a partir dali as coisas se reuniriam em volta daquele eixo e passariam a girar em torno dele por um interminável tempo.
Enfim virou-se e observou o corredor vazio. Sophie não estava ali e parecia estar ignorando o som da campainha.
- Sophie? – Chamou Christopher.
Só o som da brisa fria assobiando por entre as frestas da casa respondeu. Mais uma vez a campainha soou, metálica e fantasmagórica.
- Cacete! – Sobressaltou-se num susto.
Enquanto avançava voltando pelo corredor ele analisava cada detalhe, como se procurasse motivos para se estender ali dentro. Sentia-se como se tivesse sido esticado, como se seus tecidos estivessem tênues. De certo modo algo mágico estava acontecendo, pois geralmente, se observarmos a ordem dos fatores, é você quem procura pelo passado. Chegando ao topo da escada, observou o assoalho lustroso lá em baixo. De novo teve a estranha sensação de como queria aquele lugar cheio de amigos, com um bom vinho, piano e violão. Devia ser por isso que aquela casa o atraiu tanto. De algum modo ela tinha alma, estofo; mas não como as outras. Nessa era palpável, podia-se ouvir. Os degraus rangiam charmosamente, o andar de baixo se aproximava. Tocou a maçaneta, sentiu o frio metal contra a palma de sua mão. Lentamente girou-a e puxou a porta para si, vagarosamente, esperando que o passado não viesse com tanta violência.
Enquanto vagarosamente a porta cedia espaço ao frio que soprava lá fora, a mente de Christopher foi se reorganizando. De algum jeito especial ele almejava por aquele reencontro, pelas coisas que seriam explicadas, pela boataria que seria desmentida, pelos abraços demorados, pelas vidas se reencontrando num futuro tão diferente de todas as coisas, dias e memórias passados juntos. Seria no mínimo memorável. O frio inflou suas vestes, o cinza do céu ofuscava um pouco a visão que estava acostumada a penumbra da casa. De longe ele observava as silhuetas de duas pessoas desenharem-se entre as frestas do velho portão de madeira. Era tudo como num filme velho, todas as coisas dançando poeticamente embaixo da garoa fina. O cheiro das roseiras em flor aguçado pelo frio, seus pés descalços na fria ardósia, os cabelos desgrenhados, as roupas um pouco surradas, mas que davam um certo charme a ele. Tocou a velha e enferrujada maçaneta, girou-a teatralmente devagar e então abriu para ver o que lhe esperava.

Bem acima do jardim, na janela central da casa, Sophie observava a cena com um sorriso de satisfação dançando em seus lábios. Conseguira fazer o que planejava há algum tempo, e o que a impulsionou a voltar. Olhou, observou atentamente cada detalhe do lugar. Transitou por alguns cômodos, e depois, entrando no quarto de Christopher, sentou-se em sua cama. Pegou papel e caneta e com floreios rápidos e finos escreveu no papel puído: ‘Consegui, mas sentirei muito a sua falta. ’ Levantou-se languidamente, olhou com olhos lacrimejantes para a porta grande e antiga daquele quarto já tão simbólico para ela. Apesar de relutar bastante, ela teria de ir, teria de se despedir. Era a hora de fazer a segunda escolha, a de nunca mais ser vista, a de ser esquecida. Afinal de contas, todos os que se vão tem de lidar com essa expectativa, com essa assertiva... Com esta afirmação.

Naquele instante o universo parou. A chuvinha amainou, o vento cessou o frio que não soprou. O trio estava envolto num invólucro de silêncio, saudade e dúvidas. Christopher olhou ambas bem fundo nos olhos enquanto lágrimas começavam a lamber seu rosto lentamente. Silêncio. Elas apenas seguraram suas mãos, uma de cada lado, e também choraram silenciosamente. E então se renderam num abraço saudoso, cheio de pormenores, recheado de significados, longe do vazio, do medo e da insegurança de seus últimos dias, de seus últimos anos. Assim, o universo voltou a conspirar, todos podiam sentir novamente os elementos que caracterizavam aquele inverno que estava grudado em tudo, como um lençol gelado.
Muitas coisas estavam sendo ditas ali sem que se precisasse proferir uma palavra sequer. Entre eles sempre foi assim, de certo modo. As coisas se completando, se fazendo de forma muito completa e autodidata. Os três entraram silenciosamente, ainda de mãos dadas, saboreando o momento de formas muito próprias, mas ao mesmo tempo muito iguais. Quando entraram, trazendo um pouco de chuva e dia frio consigo, eles realmente não sabiam por onde começar, o que falar e o que expressar. Sentaram-se meio trôpegos, como se receosos daquele momento, daquele encontro. Mas enfim Christopher adiantou-se:
- Só eu que não mudo mesmo... – ele disse em tom jocoso.
- Ah, que nada Christopher! Olha só essa sua cara de homem! E essa barba, quem é que te deu? – Indagou Konstantine com seu ar sempre brincalhão.
Emilie observava tudo ainda meio atônita, escolhendo as palavras certas, como sempre fizera, como sempre faria.
- Ah Christopher... – começou ela – incrível mesmo é essa tua cara de menino que insiste em aparecer.
- Rá! Não falei?
- Mas eu não falei que você não tinha mudado...
- Deixa de ser chato, Christopher, você tem muitas outras coisas pra falar pra gente. – disse Konstantine.
Mas pareceu a cada um deles que esta proposta não deveria ser colocada em questão. Não ainda.
Por alguns instantes Christopher manteve o olhar perdido em tantas memórias que parecia ter se perdido de si mesmo. Num instante de expectativa, Emilie e Konstantine aguardaram no que parecia ser um longo período. Então a jovem morena de cabelos longos se adiantou, segurou a mão de Christopher com força abrasadora.

A mente dele continuava rodopiando, tentando achar um local de pouso seguro. É como se fosse uma manhã clara que o fazia clamar por escuridão, dessas que moram nos cantos da gente, dessas que escapam de portas nunca abertas. Pairava acima de si mesmo e isso o incomodava, precisava dos pés no chão. Engraçado era lembrar que ele sempre preferia o avesso, as coisas que fugiam a regra. Sempre procurando uma próxima saga. A vida que Christopher levara o ensinou a aprender com tropeços e desprezar mãos que o quisessem afagar o âmago. Só Emilie podia fazer aquilo naquele momento, sem precisar correr para longe de todas as sombras que moravam dentro dele. Ela sempre teve luz suficiente para enxergar tudo com clareza.
Olhou nos olhos de Konstantine e disse coisas inaudíveis, mas que eles sempre saberiam o significado. Via nela o anseio de ir sempre além, a vontade de nunca parar. Apesar de ser tão reconfortante e se apresentar como um porto sedutoramente seguro, nunca o faria ancorar. Não naquele instante. Christopher tentava se manter ali, mas é que ainda estava inseguro por tantas coisas. Pensava em como estava sendo chato e indelicado, em como estava sendo tênue demais diante de sentimentos tão consistentes. Mas é que ele não gostava de olhar as conquistas do hoje e ainda assim almejar apenas as de amanhã, não desfrutar, não usufruir. Uns denominavam tal fator como desperdício, mas outros o saboreavam como uma saudável ambição.

Endireitou-se rapidamente e limpou as pequenas lágrimas que insistiam em lamber-lhe o rosto. E então disse:
- Tudo bem, garotas. Acho que enfim estou pronto para lhes contar. Mas é que eu queria que uma pessoa estivesse aqui para me ouvir, pra falar com vocês também porque eu sei que como eu, vocês não a vêem há muito tempo. Vocês ficam aqui um pouco, vou lá em cima, ela deve estar no meu quarto.
- Ok Christopher, mas quem é essa pessoa? – Indagou Konstantine.
- Ah, é a Sophie! Lembram dela?
Parecia que o coração de Konstantine tinha sido colocado embaixo de uma ducha fria, mas ela não deixou transparecer, apenas dançou com um sorriso maroto em seu rosto. E então ela olhou nos olhos de Emilie e soube que ela também estava pensando o mesmo, com a mesma veemência, com o mesmo pesar.
Ambas olharam para Christopher com ar de satisfação e disseram em uníssono:
- É claro!
- Então vou lá buscá-la, me esperem aqui!
Sorrindo forçadamente elas esperaram que ele sumisse de suas vistas, quando apenas ouviam a voz de Christopher chamando por Sophie pelos cômodos do andar de cima. Konstantine enfim falou:
- Eu pensei que ele soubesse.
Com ar pesado, Emilie constatou:
- Mas ele sabe, só não quer se lembrar.



Continua...

Ao som de “O Porto”, Agridoce.

terça-feira, 15 de março de 2011

Da janela ao corredor

Naquele instante,  sua mente fazia rodopios em volta da imagem de um amigo que a muito já não via. Apesar de distantes e da forma misteriosa de como ele sumiu, ela sempre soube que ele não estava morto, contradizendo a boataria que pairava. Emilie caminhou pela calçada juncada de folhas mortas, enquanto observava as pessoas começarem a se mover lentamente pela manhã fria, liberando pequenas nuvens densas pelas narinas e bocas. Ela gostava de manhãs frias ou chuvosas e esse era só um dos pontos em comum com o seu amigo de longa data. Adentrou um pequeno pub, simples, mas lindamente decorado em estilo mullet, bem rock setentão. Sentou-se bem ao fundo do bar, de modo que dali pudesse observar o movimento dos transeuntes na rua. Logo, logo a pessoa por quem ela esperava chegaria. Enquanto isso ela brincava com o dedo molhado fazendo movimentos circulares na borda da taça. A melodia cristalina enchia o ar, mas ao som de Nick Drake, aquilo era um mero arranjo musical que adensava a imagem dele na sua mente.

Christopher sentou-se muito sobressaltado. Odiava acordar com um susto pois a vertigem se estendia por horas. Mas agora que sua visão tornava-se lentamente menos embaçada, o que ocupava sua percepção era um misto de saudade e admiração. Perdera a conta de quanto tempo vira Sophie e agora ela estava ali, oferecendo-lhe bolinhos e suco com o mesmo sorriso maroto de sempre.  O rosto pálido com redondos olhos verdes e um cabelo tão negro e brilhante que parecia se fundir a sua jaqueta de vinil. Ela sentou-se sobre suas pernas e olhou-o com demasiada ternura, enquanto retirava de seus olhos algumas mexas de cabelo amassadas pela noite turbulenta de sono. 
Sophie era uma das poucas pessoas que ainda conseguiam confortar Christopher, de modo que perto dela, sentia-se tão anestesiado que se esquecia de diversas coisas. Estava entorpecido pela presença daquela garota que já não aparecia a muito tempo e que mesmo assim mantinha a mesmíssima capacidade de controlar as emoções de cada um a seu redor. Só mais uma das peculiaridades de Sophie. 
Com um movimento lânguido e preciso ela estendeu uma das mãos para apanhar um bolinho do prato, mas demorou-se ali brincando com as gotas de chocolate na superfície da guloseima. Olhou ao redor, analisou o quarto rapidamente e demorou-se nos olhos de Christopher. Até então ambos não tinham falado nada e foi então que ela enfim disse:
- Você não sabe o quanto esta viajem até aqui me custou caro! - Ela disse com seu sorriso familiarmente brincalhão, enquanto dava um tapinha de leve no rosto dele.
- Ah é? Mas eu sei que eu custo caro... Mas, como é que me achou?
- Aaah, essa informação é sigilosa! E não há nenhuma cláusula em meu contrato que me permita revelá-la!
- Sophie, eu sei dos seus truques, tá? Sei muito bem dos seus chips, das suas agências espiãs... - Retrucou ele com ar de superioridade, dando continuidade a brincadeira.
- Tá bom, tá bom... Mas, tem uma coisa que eu quero muito te pedir, Christopher...
- Diga, se eu for útil eu ajudo e você sabe que sim!
- Ah, então tudo bem... É que - ela se demorou enquanto baixava os olhos e os fixava na borda da manga da camiseta do rapaz. Viu uma pequena mancha comprida arroxeada que se estendia por dentro da camiseta, abaixo do pano, na pele esbranquiçada dele.
Christopher se sentiu incomodado, puxou as mangas na tentativa de esconder os desenhos grotescos no seu braço. 
- Pára, Sophie...
- Eu não acredito! - Os olhos de Sophie foram se abrindo mais e mais  enquanto ela expressava admiração e espanto.
- Ah, é que... Isso não foi nada, é que... Machuquei feio...
- Christopher, eu já fiz isso, você se lembra? Não tente me enganar... E você sabe que eu nunca, jamais vou te crucificar, até porque você cortou do jeito certo!
- Ah...  
O balbucio de Christopher soou como um estranho obrigado. E então pensou que realmente Sophie não era e jamais seria como as outras garotas. Pensou que queria reunir várias pessoas naquele momento, mas ela era um achado de tudo o que ele gostava, fazendo assim com que se sentisse satisfeito. Ela levantou-se, rodopiou pelo quarto, olhou marota as paredes e sorriu de canto, já começando a maquinar:
- Bom, eu já analisei a casa e ela é bonita... A gente pode fazer muitas coisas sabia? Já montei milhares de formas de decoração aqui na minha mente e eu sei que você sabe cuidar muito bem do jardim e... - Ela percebeu o olhar meio perdido de Christopher e entendeu que no momento ele só queria acordar, ou mesmo que ela parasse de falar e apenas o abraçasse. Mas ela só o olhou de esguelha, cerrou seus lábios com o indicador e disse-lhe ao ouvido:
- Você precisa escovar os dentes, é sério.
Christopher não conseguiu conter o sorriso e levantou-se lentamente para enfim se dirigir ao banheiro.


Especialmente naquela manhã, o pub não estava apinhado de depressivos que cantavam alto. Emilie observava cada mudança durante o passar dos minutos. Àquele tempo ela também crescera, e até seu silêncio se tornara mais adulto, mais contido, se é que ele pode ter sido eufórico algum dia. Fez desenhos desconexos num guardanapo próximo, olhou o relógio algumas vezes, evitou cheirar as flores que se esgueiravam pela janela logo atrás de si, mesmo tendo-as acariciado algumas vezes. Plantas. Elas sempre lembrariam ele. 
Mas foi enfim num momento de distração que ela chegou, meio descontraída, cumprimentando algumas personalidades ali presentes, trazendo um pouco de chuva em seu casaco e com o mesmo ar descontraído de três anos atrás.
- Emillie?
A garota morena de cabelos compridos e um pouco desajeitada sobressaltou-se e entornou a taça de absinto sobre a mesa. Ao olhar para cima, deparou-se com os olhos e uma face morena, emoldurados por cabelos levemente arroxeados. Agora eles não eram mais cacheados, eram curtos, lisos e suas extremidades apontavam para várias direções, minuciosamente repicadas. Ela levantou-se e falou, disfarçando sua surpresa:
- Enfim Konstantine! Como é que vai?
Ambas se abraçaram e sentiram algo estranho, como se alguma coisa estivesse sendo reatada em algum lugar de suas mentes. As pontas do cabelo de Konstantine fizeram cócegas na ponta do nariz dela, que então o coçou fazendo movimentos rápidos de um lado para o outro. Entre sorrisos, Konstantine disse:
- Você ainda faz isso como o Christopher fazia!


Sophie caminhou até a porta do banheiro e encostou-se no portal, olhando Christopher escovar os dentes. Esperou que ele terminasse até perguntar:
- Você costuma contar seus passos, Christopher?
Ele olhou-a um pouco indagador e enfim disse:
- Sim, as vezes...
- Vem aqui, então... - ela segurou a mão do rapaz e endireitou seus ombros, segurou sua cabeça e girou-a lentamente para o lado e continuou seu raciocínio - Está vendo aquela janela? 
Christopher viu uma janela grande, de vidro estranhamente bem limpo, no fim do corredor. Ela derramava a luz pálida da manhã que lambia parte das paredes e boa parte do assoalho lustroso.
- Sim, eu a vi e gostei dela, me lembra arquitetura gótica e...
- Você já reparou que daqui até lá totalizam-se vinte passos?
- Eu nunca contei, Sophie e...
- É que eu achei legal o número de passos daqui até lá serem exatamente o número da sua idade. Vamos fazer uma coisa? Eu quero que você caminhe até lá de olhos fechados, e que vá pensando em coisas diferentes a medida que avança.
- Mas pra quê isso, Sophie?
- Eu só quero ver como você se sente, vai, vamos lá, você não vai dar de cara com o vidro, eu contei! São realmente vinte passos! 
Christopher aceitou a proposta, e pensou que poderia ser interessante. Então ele fechou os olhos e começou a caminhar e instantaneamente, a pensar junto.


As distintas moças se sentaram e ficaram pensando e relembrando diversas coisas silenciosamente, selecionando mentalmente sobre quais falariam, mas Emilie adiantou-se:
- Eu sei que ele está por perto, Konstantine.
- Eu também sei, Emilie. Casas assim sempre foram a cara do Christopher.
Ambas olharam para o fim da rua onde havia uma casa antiga porém muito bem conservada, mas que por algum motivo fora vendida a um preço muito baixo. Cerca em vez de muro, jardim grande, rosas na entrada, um Ipê grande que crescia nos fundos. A casa erguia-se em tons amarelados, com grandes janelas de vidro e uma central, bem acima de todas, na parte mais alta da construção e era decorada com floreios góticos.
- Eu acho que nós temos de ir lá, ou morreremos de curiosidade - disse Konstantine.
- Ou de saudade... - sentenciou Emilie.
E então as duas levantaram-se e se dirigiram para a frente do pub, parando no balcão para que Emilie pagasse sua taça de absinto da qual não sorveu nenhuma gota sequer. Pararam, olharam para a casa e respiraram fundo.


Várias coisas começaram a dançar na mente de Christopher. A medida que avançava ele se sentia leve como fumaça, ía mantendo-se imutável, sem cores diferentes e sem nenhuma pressa. Sentia cheiros e gostos mas perdera as contas de quantas portas deveria fechar para eliminar alguns que lhe traziam nostalgia em demasia. Foi caminhando como se fosse encontrar-se com o desconhecido e sem nenhuma hora para voltar. Agora entendia o por que de Sophie pedir para que ele fechasse os olhos, afinal assim podia ver um mundo que ninguém mais enxergava. Era nele que muitas vezes ele se abrigava, mas que já a algum tempo não visitava, tinha guardado-o logo abaixo de seu travesseiro. Ela queria que ele reatasse com tudo o que era dele, com tudo o que ele havia abandonado, queria que ele se importasse de novo com tudo o que existia ao seu redor.
Então Christopher terminou a contagem e abriu os olhos. Seu coração disparou, afinal a visão era realmente bonita dali de cima. Via as roseiras em flor, o jardim gramado, a cerca e além dela a rua juncada de folhas mortas e avermelhadas com um céu arroxeado pelas nuvens carregadas que eram levadas vagarosamente pelo vento frio. Mas o seu coração quase entrou em colapso quando o mesmo avistou dois pedaços de seu mundo aproximarem-se lentamente, lado a lado, do portão se sua casa. 
Entendera o ritual agora. Tinha invocado seu mundo direto para a sua morada.


Continua...


Ao som de "20 Passos", Agridoce.  

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Não Falo


Ainda não tinha se acostumado. Perto da porta as caixas ainda se acumulavam, dificultando a passagem. Livros, louças, roupas, tudo ainda encaixotado. Pareciam agora  massas grandes e negras que se avolumavam abruptamente  na escuridão entrecortada pelas vidraças molhadas. Já na segunda noite na nova casa ficara sem energia. Típico. Não era um bairro dos mais conceituados, nem tinha a melhor assistência elétrica, mas foi o melhor preço que conseguiu. 
Tivera de interromper sua leitura diária dos poemas de Emily Dickinson, sua predileta. Era engraçado como as vezes o frio não parecia afetá-lo, mas ali naquela casa vazia e escura ele quis ter alguém mais para conversar, pra enfim acalorar alguns assuntos com uma boa taça de absinto. Mas contentou-se com uma caneca de capuccino que fumegava no escuro, esquentando a ponta de seu nariz e fazendo cócegas em seu buço.
Quis apenas dormir quando chegou, ainda nem examinara a casa direito. Mas sabia que era antiga, lar de alguma estranha família no passado. Bom, tendo rosas no jardim, gramado e um enorme Ipê no quintal isso o bastava. Era o suficiente para que sua inspiração fosse inflada. Ele pensava agora nas coisas que deixara para trás, nas coisas que ficaram inacabadas, se alguém notara sua ausência, se estava morto ou vivo. Prostrou-se diante da vidraça e empurrou-a com dedos lânguidos e esbranquiçados pelo contato forçado contra o vidro frio. Abriu-a com um barulho maior do pensara. Este ecoou pela rua na penumbra, deixando o hálito da noite entrar e fazer com que os dedos de seus pés se encolhessem. Olhou, analisou, esperou. Nada. Apenas um gato que procurava uma lixeira afortunada, uma coruja que piava preguiçosamente num poste ali perto e o farfalhar fantasmagórico das árvores que emolduravam os arredores da casa. O cheiro de rosas encheu o ar, trazendo algumas lembranças estranhas.
Tentou aquietar-se um pouco, afinal a energia não voltaria tão cedo. Voltaria a dormir, já que a luz do candeeiro nunca fora lá grande ajudante para as leituras na madrugada. Puxou a vidraça de volta ao seu posto, travou-a.  Caminhou pela casa como um fantasma, locomovendo-se tão delicadamente que nem fazia a madeira do assoalho ranger. Subiu a escada em espiral, observou a sala e o hall de entrada lá de cima. Apesar de velho, o pinho empregado no assoalho da casa ainda brilhava como novo. Naquele momento quis ter uma festa com bons amigos e rodas de piano e violão. 
Continuou a caminhar. Num quarto vazio um colchão puído estava posto bem no centro. Uma pilha de livros ao lado, um copo vazio, farelos de bolo e uma rosa delicada e rubra num copo. Não, definitivamente não estava com sono, afinal ainda nem passava das duas da manhã. Estendeu a mão para apanhar um livro qualquer na pilha ao lado. Mas seu pulso reclamou. Ele sinceramente não gostava de lembrar daquilo. Juntou os pulsos paralelamente e olhou mais uma vez, como fazia sempre antes de dormir. Eram agora dois sulcos arroxeados e  verticais que se estendiam por uma parte de seu antebraço. Sessavam abruptamente, perdendo-se nos sussurros da lâmina que causou aquilo. Ainda ardia um pouco, seu tendões não tinham se recuperado direito. Sim, ele estava disposto a acabar com sua vida. Estava.
Desenrolou as mangas de sua camiseta para que as cicatrizes não chamassem sua atenção novamente. Deitou-se de bruços e só aí parou para ler a capa antiga do livro. Tosca. Em letras prateadas e brutas estava escrito: 'FRÂNCES - PORTUGUÊS'. Já nem lembrava daquele dicionário velho e obsoleto, mas folheou um pouco. Observou as regras gramaticais, os fonemas e por alguns minutos recitou palavras em voz alta. E enfim seus olhos começaram a pesar de sono. E terminou por dormir, mais rápido do que pensara.
Mas o que lhe incomodava era o fato de sua mente trabalhar um pouco além da capacidade do sono. Não sabia como isso podia acontecer, mas lembrava-se de coisas inconscientemente. Não era como sonhar, porque tais coisas já tinham acontecido. E então pensou em como teria acontecido, teve dúvidas se era ele ou ela. Porém sabia em algum lugar de sua mente  que eram eles dois os responsáveis. Ele, ela e a natureza selvagem de ambos. As vezes sentia as sensações fugirem de seu controle, como se sequestradas por alguém mais forte, por algum sentimento mais pesado e palpável. Humano ao extremo. De um certo modo fora arrastado até aquele ponto de sua vida, mas fora até ali decididamente. Sim, era difícil de entender, mas ele as vezes sentia o fluir entre as pernas dela. E se comprazia da lembrança.
As vezes pensava quando aquilo iria parar, até onde chegaria. Francamente não sabia se um dia poderiam resolver tudo pelas próprias mãos ou se deixaria o destino vir até ele, para que desatasse nó por nó. Era cheio das artimanhas, fazia beicinho, erguia as sobrancelhas, cerrava os cílios, seduzia para ganhar as palavras que queria. Imprimia carinho em tudo o que falava, mas no farfalhar das folhas puídas do velho dicionário ouvia o balbuciar de suas poucas mentiras francesas: " Je ne parle pas français". Inconscientemente e de olhos bem fechados traduziu: "Eu não falo francês".

Não estranhou ainda estar frio pela manhã. A névoa vinda do jardim fez cócegas em seus dedos e então ele se sentou, grogue e cheirando a livro velho. A claridade que adentrava era acinzentada pelo céu pesado lá fora. Girou a cabeça preguiçosamente a olhar pelo quarto, e foi então que levou um susto que tirou-lhe o fôlego. Sentada ali, no canto do quarto ela o olhava complacentemente, cabelos negros caindo-lhe pelos ombros, molhados pela chuva lá fora. Ele sentou-se num pulo.
Ela sorriu e ergueu um copo de suco e empurrou um prato de bolinhos para ele. Fitou-o novamente e apenas disse:

C'est pour toi, mon amour!

Continua...

Ao som de "Ne Parle Pas", Agridoce.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Agridoce

Nunca foi novidade pra ninguém que tudo o que eu sonho, que eu vivo, que eu enfim escrevo, tem uma trilha sonora. Mas nas últimas semanas um novo som está me encantando...
A esta inspiração contínua, dá-se o título "Agridoce". Um projeto da Pitty que vem me dando muito o que escrever... Olhe, queridíssima Pitty, peço perdão pelo afastamento. Confesso que a algum tempo já não ouvia suas músicas com tanto afinco como antigamente, apesar de nunca deixar de admirar o rock inteligentíssimo que você e seus companheiros de estrada fazem.
Acontece que o projeto me foi apresentado numa certa noite (Janaína, mais algo pra eu ficar te devendo, não é? Sua pessoa igualmente inspiradora!). Comecei com os acordes em francês de 'Ne Parle Pas' e de cara me encantei. Os leitores ávidos daqui sabem da minha fixação pour tout ce qui est le français.
Mas enfim, acho melhor usar as palavras desta pessoa que tanto me surpreende pelas belezas enrustidas e camufladas em delicadezas brutas. Faço das palavras de Pitty e Martin as minhas próprias:

"E de repente era um dia de chuva. As nuvens no céu, e a gente ouvindo Nick Drake e pensando: "também quero". Nasceu o esboço, o violão dedilhado, o piano minimalista, as letras ora lúdicas e fofas, ora pesadas e melancólicas. Agridoce.
Brincávamos chamando de 'fofolk': folk fofo. Mas nem sempre. Melodias suaves aos ouvidos, mas letras nem sempre leves ao coração."


Mas enfim, o que vai ser o meu Projeto Agridoce? Pois bem, como acabei de expressar é algo que me inspirou muito. Até agora foram lançadas sete músicas e espero que venham muitas mais. Então, essas sete serão os temas de sete posts sequentes a esse. Uma história independente em cima da temática das músicas.  Seja Dançando, escrevendo Epílogos e Finais, me desejando um B. Day atrasado, cantando uma Música de Natal fora de época, fingindo que sou Romeu,  ou repetindo que 'não falo' em francês próprio na frente do espelho... Então, dê 20 passos até aqui e compartilhe junto a mim esses poemas e contos densos tão Agridoces em nossas bocas.


É isso. Agridoce é mais que música. Agridoce é poesia, é cotidiano, é razão contida... É enfim, o que eu e muitas pessoas expressam nos mínimos traços de arte. Só tenho a agradecer a vocês Pitty e Martin! E que venham mais músicas!




P.S.: Quando crescer quero ser que nem você, Martin! ^^

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Sem você...

Há rostos de verdade que iluminaram minhas fábulas... Rostos
que eu nunca mais vi, mas continuaram a me vigiar a partir.
Naquela tarde quente do dia vinte e sete de janeiro de dois mil e dez, eu nunca pensei que receberia aquela notícia.
Não com você tão vital em minha mente, não com os rumores que chegavam da sua melhora, não com as coisas boas que vinham na minha mente todas as vezes que eu lembrava de você, do seu sorriso, da sua forma meiga de segurar minha mão e dizer baixinho que sentia orgulho de mim...
Eu poderia estar triste... Eu poderia estar absurdamente triste. Mas não consigo, pois tenho uma certeza muito boa e revigorante todas as vezes que fecho os meus olhos e me imagino te abraçando, festejando com você as tardes livres com sorvete e tapioca com leite condensado ou vendendo chiclete pela escola, o que é claro, nos rendia boas e gostosas risadas.
A forma como você me tratou, acima de todo e qualquer dogma que poderia nos manter longe. Você segurou minha mão e disse que me achava o máximo... Na verdade, eu que  me sentia o máximo por simplesmente estar ao seu lado, por estar com você por preciosos momentos.
Ah, Jordana... Meu eterno Borrão de Jóias... Como é difícil as vezes conviver com a sua ausência, conviver com a lacuna deixada pela sua partida. E as vezes eu sinto você me dando seus conselhos e quase me sinto completo... Ouço sua voz, mas não posso abraçá-la, não posso sentir o aroma de seus cabelos dourados. Posso fechar os olhos e imaginar, mas não, nunca será a mesma coisa.
Mas você sabe de seu legado, sabe que sou exatamente aquilo que você me fez ser... Como você mesma dizia: Seu Milagre Pessoal. E eu queria poder ter contribuído antes, ter mostrado o que verdadeiramente aprendi com sua presença. Talvez você tenha entendido pelos meus abraços, pelas minhas palavras cortadas, pelos olhares que queriam dizer bem mais do que um simples: Te Amo. 
Eles queriam dizer que você me salvou, queriam revelar o que você me mostrou, o que você enfim fez de mim. Mas hoje eu consigo me abster de toda a dor, hoje eu consigo observar tudo com uma serenidade extrema. E sabe JÔô... Só ao tomarmos consciência da finitude podemos olhar a Lua com assombro, viver a poesia e nos reconfortarmos verdadeiramente nos braços do Pai. Pode parecer contraditório, mas precisamos saber como somos pequeninos diante de tudo o que Deus criou para compreendermos como é grandioso estar vivo e não cair na verdadeira tragédia: passar a vida à toa, não buscar o amor de Deus, fechar-se para a felicidade.
Jordana mudou a minha vida para sempre... 

Me salvou de todas as formas que uma pessoa pode ser salva. E espero um dia  conseguir retribuir isso a altura. Eu prometo.

TE AMAREI PARA SEMPRE, MEU BORRÃO DE JÓIAS!

Ao som de "Angel", Sarah McLachlan.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Os Silêncios e os Motivos

Naquele dia levantara apreensivo. Já sentia as palavras poucas em sua boca e em sua mente. Levantara afim de ficar um pouco longe de tudo. Estava precisando fazer uma visita ao seu mundo. Assim passaria o dia como uma figura tênue, flutuando acima de ações, palavras ou qualquer outra coisa que o pudesse aborrecer. Selou as pálpebras por um doce instante. Atrás delas ou de qualquer outro sussurro estava o Seu Mundo...
E retirou-se.
Da última vez que estivera ali lamentara a destruição do lugar, ficara triste e não conseguiu conter as lágrimas. Afinal, era o seu mundo que estava destruído, puído e esquecido. Mas agora estava satisfeito com a paz que o lugar tinha conseguido resgatar. A música tocava novamente, o jardim florescia de novo, havia vida nos bosques e nenhuma sombra pairava por ali, vindo sussurrar coisas que não quisesse ouvir, que não quisesse por desventura lembrar.
Adentrou a Cabana Além da Lenda, olhou em volta. Manuela não estava, porém tudo estava bem. O cheiro de livros pairava, como de seu gosto, achas de madeira ardiam no fogo aconchegante e tremeluzente na lareira. Lá fora estava uma noite enluarada, mas o lugar o chamava para um bom descanço. Aconchegou-se a velha poltrona, dispensou os livros ao menos por aquele instante. Quis dormir um sono quieto, mas não foi assim. Empertigou-se, assustou-se e num sobressalto abriu os olhos antes de ver algo que não queria ver. Olhou pela janela, viu o círculo em volta da Lua e inevitavelmente pensou que havia algum problema por perto.
Acendeu o candeeiro próximo e ficou pensando no que poderia vir a acontecer. Pela sua mente correram diversos fatos, diversas coisas que estivera passando nos últimos tempos. Há algum tempo não parava para pensar... Estava optando por fazer muitas coisas para que não pensasse em algo que o entristecesse. Lembrara de certo pacto, de um certo silêncio que estava escondendo logo abaixo de seu travesseiro. E calou sua própria mente com força. Não queria, nem podia lembrar daquilo.
Mas algo o incomodava, algo o chamava, sussurrava. E ele sabia que aquilo estava perto,que se movimentava lenta e estranhamente pela sua memória. Sentiu frio, medo até. Curvou-se para apanhar o cobertor e então algo reluziu um pouco ao lado, escondido pela fuligem da lareira. Era um velho papel, amarelado, um pouco chamuscado, mas ainda mantendo as mesmas letras vivas e prateadas que já há algum tempo ele mesmo havia escrito. E então leu, mas baixinho, para que a magia do momento não se perdesse:

"Um dia desses eu separo um tempinho e ponho em dia todos os choros que não tenho tido tempo de chorar."

Sua primeira reação foi fechar o punho com força e lançar com desprezo o papel nas chamas, que chiou, contorceu-se e desfez-se em cinzas. Aquilo doeu-lhe um pouco. Naquele momento ele ouviu passos, leves, mágicos, élficos. Já sabia quem era. Mas deixou que ela enfim falasse:

- Já não lhe pedi para que você não haja como um surdo? 
Ela indagou com sutil reprovação e uma nova atenção em seu tom, como se estivesse preparada para qualquer coisa que porventura pudesse acontecer. Não sabia, mas também sentia uma preocupação latente, algo que se movia cristalino e salgado e que se espalhavam pelas pálpebras dele.
- Eu precisava, Manuela, precisava ir embora, precisava esquecer.
- Mas ainda assim se lembra com todas as suas forças, com todos os seus pesares. Os de ontem e os de hoje.
Ele apenas se curvou, e deitou-se como sempre fazia para ouvi-la.
- Eu quero ver. Quero acabar com isso, quero que tudo seja logo arrancado de uma vez.
- Você sabe o que está fazendo?
- Você sabe que eu ouvi os rumores, sabe que de onde vim há sempre palavras pesarosas que grudam nos outros. Nada vai ser surpresa para mim.
- Confesso que concordo com você, confesso que também queria que você não ouvisse. Calar-se é uma arte possível, mas deixar de ouvir...
- Mostre-me. - Ele a interrompeu.

Ela simplesmente segurou sua mão e ele encolheu-se de dor, sentiu um arrepio e devolveu com força o aperto de mão. E então ele ouviu risos, viu dias ensolarados, música e sentiu um cheiro tão doce que o fez nausear. Via tudo de longe, como se fosse algo tênue, como se fosse um pedaço do passado. Mas no meio de tudo aquilo, mesmo com uma dor lancinante em seu coração, não estava triste. Entendia agora. Nada daquilo era seu e não adiantava forçar. O seu tempo de silêncio gritava agora, chorava, rangia os dentes de ódio. Mas ele simplesmente deu as costas a ele. Poderia sentar-se e desesperar-se, mas via apenas as respostas para muito do que havia perguntado, para muitos de seus medos e receios. Sentiu algo formigar abaixo de seus pés. Foi então que percebeu que pisava em cristais. 
Se tentasse correr, se cortaria profundamente. Entendeu mais uma vez... Correr atrás daquilo era procurar a própria morte. Mas ainda tinha dúvidas do porque não doía olhar para aquilo tudo. E então lembrou-se de algo, de um certo pacto, de um certo alguém que em algum lugar longe dali, selara-se junto a ele nas mesmas convicções. A força vinha de ambos e os ajudava agora. E então fechou os olhos. Não precisava mais ver aquilo.
Apenas abriu-os novamente quando sentiu o peso da mão de Manuela nas suas. Sentou-se quieto, ainda sentia os pés formigarem. Olhou-a nos olhos. Nada disse. Ela então adiantou-se:
- Desta vez, até eu permito que faça...


E então chorou. Chorou por tudo o que foram. Por tudo o que não conseguiram ser. Por tudo o que se perdeu. Por terem se perdido. Pelo que queriam que fosse e não foi. Pela renúncia. Por valores não dados. Por erros cometidos. Acertos não comemorados. Palavras dissipadas. Versos brancos. Chorou pela guerra cotidiana. Pelas tentativas de sobrevivência. Pelos apelos de paz não atendidos. Pelo amor derramado. Pelo amor ofendido e aprisionado. Pelo amor perdido. Pelo respeito empoeirado em cima da estante. Pelo carinho esquecido junto das cartas envelhecidas no guarda-roupa. Pelos sonhos desafinados, estremecidos e adiados. Pela culpa. Toda a culpa. Dele. Dela. Culpa de ambos. Por tudo que foi e voou. E não volta mais, pois hoje já é outro dia. Chorou.


Levantou-se um pouco cambaleante e com a visão embaçada. Disse pra que ela não o ajudasse, voltaria sozinho para casa. Aprontou os pés na estrada. Se pôs a caminhar sob Lua e vento. Poderia estar triste naquele instante. Mas estava em paz, estava sorrindo e não se cortara correndo atrás de algo perdido. Estava orgulhoso. E mais uma vez apenas olhou ao redor, sentiu, aspirou... Não chorou. Sorriu sereno. "O que é certo virá na hora certa."



Ao som de "Fields Of Innocence", Evanescence.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Do que a gente vai precisando...

Gostava tanto de dias chuvosos que apenas aproximava-se do metal frio da janela para sentir o frescor nevoento que chegava até suas mãos. A manhã molhada alegrava-o, levantava cantando com as mais belas músicas na mente, com solos de violino e violoncelo, saudando a graça das gotas dançantes que se penduravam no candeeiro de sonhos que balançava preguiçosamente na varanda de amores.
E pisava como os elfos, para não fazer balbúrdia e não espantar a calmaria do céu frio que dormia em aconchegantes nuvens arroxeadas e pesadas. A fumaça do incenso dançava entre os furinhos da rica caixinha talhada que ganhara no último aniversário.
Dança pela casa, ouve o gotejar, o tamborilar gelado que vai correndo. Molha os pés mesmo debaixo de reprovação da mãe, com suas diversas histórias de "mortes por choques térmicos". O pijama não é mais que uma calça surrada e uma camiseta velha, surrada e tie die. Mas em manhãs assim ele se via no espelho com a mais bela calça e com a camiseta do mais fino tecido, como se lhe tivesse sido entregue por fadas tecedeiras e amigas. Cheirava a lençol limpo, mas agora molhava as mãos para lavar o rosto com perfume do céu. Prefiria chamar de Chuva. Sim, bonito nome... Cadente, cheio de brisas e frescor. Gostava da desenvoltura do líquido entre seus dedos. Dançava, escorria e fixava-se nos pêlos lisos de seu braço para enfim repousar no pulso como desenho cristalino.
E então fechava os olhos... Sentia o cheiro dos cabelos de alguém, ouvia os passos leves girarem na grama, ouvia doces poemas recitados. Ele gostava de ser diferente com ele. Não o repreendia. Deitava na grama, brincava com as voltas que os seus cabelos davam, beijava-lhe a testa, chamava-o de Fauno. O fazia feliz. Seus olhos brilhavam com as guirlandas que ele lhe fazia... Rosas-meninas, algumas folhas e ramas de um arbusto delicado que exalava quase o mesmo cheiro campestre dos cabelos acobreados que o pertenciam, reluzindo sob a luz empalidecida do céu pós-chuva.
E ele lhe trançava os dedos, e ligava os pequeninos sinais de seu braço formando constelações inexistentes. Ele o sentia, ele o via e não... Pelo tempo de espera não seria mais um Sonho de Uma Noite de Verão. As árvores o diziam, os pássaros o cantavam, os cristais o refletiam, a águas lhe murmuravam. 
Pegara o vento emprestado dia desses, dera uma volta, pensou tê-lo visto correr entre anjos, entre fadas, entre algo mágico. O viu por ali, tão perto e tão longe... E repetiu para si mesmo enquanto as gotas caíam com mais força: "Sim, eu tenho a permissão de escutar a melodia do inverno, de sonhar entre os campos do Meu Mundo, de vê-lo e esperá-lo sem razão, sem medo, sem receio." 
Apenas olhou ao redor, sentiu, aspirou... Não chorou. Sorriu sereno. "Ele virá."


Ao som de "Her Morning Elegance" - Oren Lavie

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

As Primeiras Belezas

"Esse ano começou lindo para nós, pela chuva, pelos encontros que estão acontecendo."

Faço das palavras de Janaína, minha tão sábia companheira, as minhas... Sabe quando você está satisfeitíssimo com certas coisas? Quando mesmo que alguma coisa dê errado, há um otimismo oportuno que paira e gruda na gente?
Não sei... Os dias estão mais belos, meus sorrisos andam mais fáceis, há uma aurora permanente. De um certo modo, aquilo que um dia me partiu correu mundo afora, como que com medo dessa luz abobadada pelos vitrais da casa da minha alma.
E sendo assim, não sinto mais demora pra me sentir. Quero curtir esse momento tão sem fim, tão melhor, tão maior sobre mim, só resta a mim cantar porque enfim, sinto-me livre. Tão livre pra ser o que sou...
Mas, não sou mais tão criança a ponto de saber tudo. Essas novas decisões não são cegas. São frutos de um amadurecimento esperado há muito tempo. Tão correto e tão bonito... Concluo assim que  o Infinito é realmente um dos Deuses mais lindos! Sei que ás vezes uso palavras repetidas mas, me digam, quais são as palavras que nunca são ditas?
Dito isto, agora transcrevo um poema meu, escrito há um ano e pouco atrás:
Andaram procurando por você,
Andaram chorando por você,
Andaram lembrando de você...
Meus blocos apinhados de recados, minhas canastras cheias
e eu nem me importo.
Seres estranhos de Jesus vagueando nas ruas, procurando ouvir os sons de Deus.
O farfalhar das asas de negro veludo, o tilintar dos All Stars de aço.
O que aconteceu com as estrelas?
A Via Láctea tombou?
Não... A lente de meu telescópio quebrou e agora só vejo os cacos de um espelho de alegrias cravejando a imensidão inigualável do que foram minhas tristezas. 
As flores da ávore dos sonhos têm cheiro de Uníssono e Princípio.
Suas raízes salientam-se pela calçada da mesmice.
Saquearei as perfumarias dos mais nostálgicos aromas e despejarei o líquido para lavar minhas escadarias... 
Tão longe,
Tão perto.
Veja a luz transpaçar a abóbadas e encher meu saguão de luz.
Sorrisos bonitos, rostos alegres,
Girando para sempre.
Para sempre na casa do meu ser.

Um último conselho antes que aprendam: Esqueçam tudo o que sabiam... Comecem por sonhar.
Ao som de "Aurora", Maria Gadu e Dani Black.


quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A Vigésima Primavera

O lindo presente da singular Grace ^^

Enfim o dia chegou^^. Para mim, com certeza o primeiro dia mais esperado do ano! E eu não poderia ter me sentido melhor, ter visto tantas pessoas queridas  juntas e estar tão eufórico que nem consegui me expressar direito no discurso de praxe...  Mas o que senti ali foi toda a amizade, todo o amor, toda a fraternidade pairando com grande intensidade. Naquele momento o Universo curvou-se e então todas as estrelas nos olharam, saudando-nos com chuvas de bênçãos e pétalas de alegrias!

O que tenho a dizer é que mais alegre eu não poderia estar, porque enfim...

Hoje é meu aniversário ,corpo cheio de esperança, uma eterna criança, meu bem!
Hoje é meu aniversário e quero só noticia boa, também daquela pessoa, oba!
 
Hoje eu escolhi passar o dia cantando. De hoje em diante eu JURO felicidade a mim na saúde, juventude, na velhice... Vou pelos caminhos brandos!

A minha proposta é boa, eu sei! De hoje em diante tudo se descomplicará com um nariz de palhaço rirei de tudo que me fazia chorar... Cercado de bons amigos me protegerei: 
Numa mão bombons e sonhos...

Na outra abraços e parabéns!

Quero paparicações no meu dia, por favor! Brigadeiros, mantras, músicas e
gente vibrando a favor!

Vamos planejar um belo futuro pra logo mais, dançar a noite toda
Fela Kuti, Benjor e Clara!!


Ao som de "Meu Aniversário", Vanessa da Mata.


segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Sobre as vésperas



Sabe aqueles dias em que você se sente flutuando? Aqueles dias em que você caminha acima de todas as frustrações e acima de tudo aquilo que tenta te pôr pra baixo? ... Esse é um deles! Não sei, acordei tão disposto e já sentindo cheiros e aromas que traziam tantas coisas novas e gostosas que a única sensação que consigo equiparar a isso é a de liberdade.
Exatamente, meus pensamentos estão fluindo com riqueza, me sinto forte o bastante para inflar meus pulmões e sentir o frio de hoje dançar em meu peito. Ah, e o tempo... Não sei, mas parece que tudo está conspirando para um bem maior hoje. Esse azul cobalto no qual o céu mergulhou me deixou tão feliz quanto vê-lo chover hoje.
Eu me lembrei que ano passado foi o meu primeiro aniversário ensolarado. E eu fiquei feliz até, mas depois fiquei meio murcho porque a minha amiga chuva não veio me fazer sua visita. Sem falar que este será o meu primeiro aniversário depois do coma... E tudo parece ser tão novo e risonho^^. Isso me alegra tanto que tenho vontade fazer coisas simples, como correr descalço na grama e girar com os braços erguidos até cair tonto. É como se nesse momento o universo estivesse fluindo por mim.
E quando o entardecer me olhou com olhos chuvosos eu me senti tão revigorado que cantei baixinho, enquanto sentia uma verdadeira Via Láctea pulsar dentro do meu peito. E espero que essa alegria continue por todo esse 2011, mas que em especial amanhã ela flua totalmente de mim, assim poderei compartilha-la e enfim mostrá-la ao mundo, que é o que quero. 
Dentro de algumas horas estarei em fusão com o Universo e depois que formos só um, voltarei a ficar mais sereno, mais risonho e mais noturno... Como sempre o fui. 


Estou MUITO FELIZ por estar vivo. Simples assim.


Ao som de "Onde Ir", Vanessa da Mata.